Sicília, não só máfia e pobreza

de Juliana Renó Serpa de Carvalho

Sicilia - Noto, Capitale del Barocco, Patimonio UNESCO

Por sua distância ou até mesmo pela falta de divulgação, a Sicília acaba não entrando muito no itinerário de alguns turistas que vêm à Itália. No entanto, é uma região que possui um dos cenários mais fascinantes do país: as belezas naturais, entre mares e montes, fundem-se harmonicamente com as heranças artísticas e culturais deixadas pelos conquistadores que lá estiveram ao longo dos séculos de história. Motivos mais que válidos para incluir a Sicília no seu próximo roteiro de viagens pela Itália.

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Características Gerais

Com seus quase 26 mil km², a Sicília é a maior ilha do Mar Mediterrâneo e a maior região italiana. Seu território está dividido em nove províncias, 390 municípios (comuni) e sua capital é Palermo, cidade situada no noroeste da ilha. É banhada pelo Mar Tirreno a norte e a oeste, a sul pelo Mar Mediterrâneo, pelo Mar Jônico a leste e a nordeste pelo Estreito de Messina, canal que separa a península itálica da Sicília. Pertencem também ao território siciliano os arquipélagos das Eolie/Lipari, Egadi, Pelagie, Ustica e Pantelleria, ilhas de origem vulcânica e metas de turistas que procuram beleza natural e um lugar paradisíaco.

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O clima é de tipo mediterrânico, com invernos amenos e verões muito quentes e secos. A melhor época para visitar a região é na primavera (fevereiro/março/abril); além dos festivais em várias cidades, nossos olhos são agraciados com o lindo espetáculo da natureza, composto de campos verdes e diversas espécies de flores, como a da amêndoa, que também é o símbolo da ilha. Para curtir uma praia tranquilamente e sem muito movimento de turistas, aconselho a partir do final de agosto até o início de outubro.

A Sicília conta com cinco lugares declarados Patrimônio da Humanidade pela UNESCO por sua importância histórica, artística, arqueológica e natural. São eles: a Villa Romana del Casale, em Piazza Armerina; o Vale dos Templos de Agrigento; as Ilhas Eólias; as cidades barrocas do Vale de Noto e Siracusa; e as Necrópoles Rupestres de Pantalica. A Sicília também possui outro patrimônio, a Opera dei Pupi, o teatro de marionetes símbolo das tradições da ilha que está na lista dos Patrimônios Orais e Imateriais da Humaninade da UNESCO. Tudo isso faz da ilha um museu a céu aberto.

História

A Sicília foi alvo de muito colonizadores por causa de sua posição estratégica: era um porto seguro no meio da rota comercial marítima entre Ocidente e Oriente. Naquela época, a ilha foi disputada pelos fenícios e gregos, um dos maiores povos conquistadores da Antiguidade.

Os gregos levaram a melhor sobre os fenícios, conseguindo a hegemonia do Mediterrâneo. Começa, então, a colonização grega na Trinacria (a ilha dos três promontórios, devido a sua forma triangular) que durou cinco séculos e levou a Sicília e a Magna Grécia (o atual sul da Itália) à sua máxima expansão comercial, urbana e artística. São testemunhas daqueles séculos de esplendor os diversos templos dedicados às dinvindades mitológicas e teatros localizados em cada canto do atual território.

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Templo da Concórdia, Parque Arqueológico do Vale dos Templos de Agrigento

Com as Guerras Púnicas (conflito entre as Repúblicas de Roma e Cartago entre os séculos III e II a.C.), a Sicília passou para o domínio dos romanos. A política de colonização da nova província se caracterizou principalmente pela exploração de seu território, com o confisco de terras e a criação de latifúndios para atender às necessidades de Roma; a nova província foi, assim, transformada no celeiro da capital. É durante o Império Romano que a Sicília volta aos tempos áureos, assistindo à reconstrução de teatros e anfiteatros de época grega e à edificação de vilas residenciais privadas.

 

O Império Romano do Ocidente chega ao fim por volta do ano de 476 e a Sicília passa a ser anexada ao Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla (atual Istambul, Turquia). Começa a era de domínio bizantino que durou três séculos e levou a uma consolidação da tradição religiosa na ilha, cristianizada desde o IV século. Durante este período, foram construídas igrejas e catedrais cristãs sobre os templos pagãos.

Na Idade Média, os árabes conquistam a ilha e fundam o Emirado da Sicília. Os quase dois séculos de dominação islâmica no território contribui para uma abertura cosmopolita, graças ao crescimento comercial da capital Balarm, a atual Palermo. A herança árabe é encontrada hoje nos nomes de diversas localidades sicilianas, nas expressões dialetais, na estrututura dos antigos bairros, no artesanato, na culinária, no gosto pela decoração, além das obras arquitetônicas.

Catedral de Palermo, uma junção de arte árabe e bizantina. Créditos: Wikipedia Italia

A decadência da dinastia árabe abre o caminho para os normandos, povos oriundos da Escandinávia, fundarem o Reino da Sicília. Com os novos dominadores, a Sicília reconquista o cristianismo mas sem cancelar as obras sociais no campo da política, da economia, do direito, das artes e das ciências deixadas pelos antecessores islâmicos.

OLYMPUS DIGITAL CAMERAAntiga Igreja de São Pedro e a Torre Normanda da cidade de Calascibetta, na província de Enna. Os normandos incorporaram os elementos da arquitetura árabe criando o estilo árabe-normando

Frederico II, duque da Suábia (região histórica que compreendia os atuais territórios do sul da Alemanha, Suíça, Áustria e França) e descendente dos normandos, governou o Reino da Sicília na Idade Média. Seu reinado foi marcado por uma forte inovação artística e cultural, intenta a unificar terras e povos de culturas diferentes (gregos, latinos, árabes e judeus) que haviam sido separados pela Igreja. Com sua morte, a Sicília entra em um longo período de crise marcado por disputas feudais e pelo transferimento da capital do reino para Nápoles, agora sob o domínio dos angevinos (pertencentes à Casa de Anjou, dinastia do antigo Reino da França).

Em 1282, o descontentamento pelo deslocamento da capital do Reino da Sicília para Nápoles e a oposição ao domínio francês dos Anjous foram as causas principais do movimento separatista conhecido como Vésperas Sicilianas (que até serviu de inspiração para a ópera lírica de Giuseppe Verdi). A ilha se proclamou independente e elegeu como governante o rei de Aragão; o Reino da Sicília ficou dividido em duas partes (Reino da Trinacria e Reino de Nápoles), embora conservassem o mesmo nome.

View Of Sicilian Village and Volcano Etna

A Sicília passa a ser vice-reino da Espanha em 1415. Se por um lado os três séculos de dominação espanhola foram marcados por mais crises e revoltas populares, por outro viram nascer, além dos fortes militares de defesa, a edificação de igrejas, praças e palácios em estilo barroco, traço distintivo da arte e da arquitetura sicilianas atuais.

Com o Tratado de Utrecht, em 1713, o Reino da Sicília passa para a Casa de Savoia e se separa de Nápoles. Daí por diante, a Sicília cai sob domínio dos austríacos, em 1722, e dos Bourbons, em 1734, até ser anexada pelo Reino da Itália, em 1861, graças à campanha de  Garibaldi pela Unificação Italiana.

Anos de conflitos e de descentralização territorial acabaram por acentuar antigos problemas ligados à ilha, como o atraso social, a emigração em massa, os crescentes latifúndios e as organizações mafiosas. Com a proclamação da República Italiana, em 1946, a Sicília passa a ser administrada com base em um estatuto especial, uma forma de governo mais autônoma concedida a algumas regiões da Itália.

Tradições
Como todo o sul da Itália, a Sicília também é muito arraigada às antigas tradições, transmitidas há séculos de geração em geração. A época mais intensa de manifestações é a Semana Santa, muito sentida e celebrada em diversas cidades com ritos e costumes de outros tempos.

Foto 6Procissão da Semana Santa em Enna com os confrades encapuzados, uma tradição da cidade de clara influência espanhola. Créditos: Marco Nicotra em Flickr

Destacam-se também as festas dos santos padroeiros, as encenações históricas e os festivais folclorísticos, um mosaico de heranças culturais deixados pelos povos que conquistaram a ilha ao longo dos séculos e que hoje compõe a realidade siciliana.

Outra tradição muito preservada na ilha é o Teatro dell'Opera dei Pupi, representação teatral de marionetes de caráter popular. Os temas tratados são as gestas franco-normandas que se cruzam com lendas sobre a vida de santos e com os famosos acontecimentos históricos. O eixo da ação é a luta entre o Bem e o Mal, representados pelo cavaleiro e o mouro.

Foto 7As marionetes do Teatro dei Pupi. Créditos: Catania in Sicily

Em algum lugar da Sicília, principalmente os mais turísticos, é comum ver pelas ruas uma carroça colorida puxada por um cavalo todo enfeitado com plumas; trata-se do carretto siciliano, um dos símbolos da ilha. Sua origem remonta ao século XIX, quando eram usados para o transporte de mercadorias e rodavam as estradas construídas pelos Bourbons.

Foto 8Um típico carretto siciliano desfilando pelas ruas. Créditos: Catania in Sicily

Foto 9Detalhes de um carretto siciliano. Segundo alguns historiadores, começou-se a pintar tais carroças numa tentativa de deixá-las mais parecidas com as carruagens setecentistas usadas exclusivamente pela classe nobre. Créditos: Vito Caleca em Fotofocus

Culinária
Se você vai a casa de um siciliano, mesmo para aquela visitinha rápida, pode ter certeza que vai sair de lá com o estômago cheio. O siciliano não conhece economia à mesa e, mesmo aquele mais pobre, sempre vai oferercer um prato de comida para seus hóspedes (e cá entre nós, é difícil recusar uma iguaria siciliana). É um pensamento ainda muito arraigado ao passado pobre e difícil da ilha, quando a comida servia para fartar e saciar.

A gastronomia siciliana tem dois lados: um rico e elaborado, influência da classe nobre, e outro simples e essencial, do povo. Mas os dois mundos inevitavelmente se misturariam e criariam o que é, atualmente, a rica e variada cozinha local. Outro ingrediente essencial para tal enriquecimento foi a sobreposição de inúmeras civilizações e culturas que estiveram presentes na ilha ao longo dos séculos e que acabaram reelaborando, com muita originalidade, os produtos oferecidos pela terra.

Os pratos típicos da culinária siciliana são:

· Arancine, um bolinho frito e empanado feito com arroz e recheado com molho de carne moída e muçarela (a forma lembra uma laranja, daí o nome arancine).

· Panelle, são massas salgadas feitas com farinha de grão-de-bico, fritas e temperadas com pimenta-do-reino e limão. São geralmente servidas como recheio de pães com sementes de gergelim.

· Caponata di melanzane, uma espécie de molho agro-doce com tomates, berinjelas, pimentão, cebola, azeitonas e alcaparras.

· Olive schiacchiate, são azeitonas esmagadas, conservadas em salmoura e temperadas com alho, pimenta, pimentão e sementes de erva-doce.

· Pasta alla Norma, feita com massas curtas, molho de tomate, berinjela e ricota salgada.

· Cuscuz, preparado como manda a tradição árabe e servido com peixes e frutos do mar.

· Linguiças preparadas com pimenta ou sementes de erva-doce.

· Uma infinidade de pratos à base de peixe espada, sardinhas, anchovas e de carnes bovinas, suínas e ovinas.

· Queijos como a ricotta, o cacciocavallo ou o pecorino siciliano, feitos com leite de cabra e/ou de vaca.

· Azeite de oliva, muito usado na culinária do sul da Itália.

· Pão de São José, fragrante, macio, ricamente decorado e preparado em grande escala para o dia do santo, 19 de março.

· Doces como os cannoli (massa frita em forma de tubo e recheada com creme de ricota e pistache), a cassata, os frutos de Martorana (ambos preparados com uma massa de amêndoas, verdadeiras obras de arte) e a granita (raspadinha de gelo com suco de limão ou de outras frutas).

· Frutas como a laranja vermelha, o figo-da-Índia, símbolos da Sicília, e a melancia.

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Pratos salgados típicos da Sicília

Foto 11Os doces e frutas típicos da Sicília

O cultivo da videira na ilha foi introduzido pelos fenícios no século VIII a. C. Hoje, as empresas locais propõem vinhos de ótima qualidade no mercado italiano e internacional que se caracterizam por um sabor forte e vigoroso; os mais famosos são o Marsala, o Moscato Passito di Pantelleria, o Corvo (branco, tinto e rosado), o Nero d'Avola, o Malvasia delle Lipari e o Etna, nas versões branco, tinto e rosado. Como diz um ditado local, comer sem beber é como um temporal sem chuva.

É por causa desta riqueza cultural, das belezas naturais e arquitetônicas e da grandiosidade de seu povo que a Sicília se torna única e especial. E nos deixa com aquela saudade gostosa quando partimos de lá.

Para chegar até a Sicília

As possibilidades de acesso à ilha são várias. Para quem prefere a rapidez do avião, a Sicília possui dois aeroportos principais de grande escala: o Aeroporto Falcone e Borsellino, em Palermo, e o Aeroporto Fontanarossa, em Catânia. Quem prefere a via terrestre, pode escolher entre carro, ônibus ou trem e ter paciência para o embarque nas balsas que ligam o porto de Villa San Giovanni, na Calábria, àquele de Messina, na Sicília (os detalhes de preços e horários estão disponíveis neste site: Trasporti sullo Stretto. Há ainda aqueles que preferem a comodidade do navio com a vantagem de poder levar o próprio carro ou moto: dos principais portos italianos (Gênova, Nápoles, Livorno, Civitavecchia) partem navios para a Sicília durante todo ano e algumas companhias de navegação oferecem ofertas especiais (no site Traghetti Lines tem uma lista das principais companhias que operam no Mediterrâneo); a viagem, porém, é um pouco mais longa.

Fontes:

Wikipedia

Arte e Storia: Sicilia. Bonechi Editori

Codeluppi, Cinzia. La cucina tradizionale siciliana: ricettario. Cybele, 2002

 

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3 Commenti

  1. Obrigada pela postagem! As fotos ficaram ótimas com o efeito especial.
    Um abraço e até a próxima!

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    1. Sou eu que agradeço. Obrigado para ajudar o crescimento desto pequeno blog, e as fotos são já lindas sem efeitos. Parabéns!

      Abraços.

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    2. Obrigada! Andei fazendo publicidade do novo blog através da minha pagina do facebook.

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